Nikelen Witter, historiadora, professora e escritora, discorre sobre o livro de Mempo Giardinelli com muita propriedade, aprofunda-se no assunto "leitura", comparttilhando as principais questões necessárias de reflexão e tomada de decisão.
Para conhecer o pensamento de Gardinelli, que "aposta na leitura como a base de uma educação erigida como razão e fundamento do estado democrático", vale a pena ler previamente o texto de Nikelen Witter e depois o livro.
O Direito Constitucional de Ler
Por Nikelen Witter *
Especial para o Sul21
O escritor argentino Mempo Giardinelli é um utopista. Nenhuma crítica 
minha no uso deste termo. Vivemos um tempo de superação das utopias que 
aspiravam à perfeição e que, por conta disso, poderiam levar à 
frustração e ao autoritarismo. Prefiro pensar nas utopias como propôs 
Ernst Bloch, como um princípio de esperança. Sendo assim, gosto 
imensamente de utopistas. Imagino-os como cartógrafos de territórios 
ainda não mapeados ou conquistados. Os utopistas nos dão um norte, uma 
busca, traçam os planos de nossa próxima aventura. Como o Quixote,
 amado por Mempo, os utopistas olham os moinhos de vento e os enfrentam,
 junto com o temor próprio de assaltar algo muito maior que si mesmo. Os
 utopistas são ainda mais importantes num mundo mergulhado nas imagens 
distópicas como o que vivemos. Não nos faltam anunciadores do 
apocalipse. Faltam-nos, porém, os que olham o futuro com um realismo 
otimista, não por acreditarem que as coisas simplesmente se resolverão, 
mas por ousarem imaginar, agir e criar metas.
Voltar a Ler: Propostas para ser uma nação de leitores é uma 
obra que encarna os sonhos de Mempo Giardinelli, levando-nos a sonhar 
junto. Mais que isso, há nela um condão desestabilizador. Daquele tipo 
que nos faz levantar da cadeira com a vontade louca de fazer alguma 
coisa, qualquer coisa. É fácil a bandeira de Mempo tornar-se a nossa, 
suas palavras são convincentes, falam à alma, falam a estrutura básica, 
especialmente, daqueles que já são leitores. No caminho traçado por suas
 palavras, o escritor não se abstém de incomodar governos, pais, 
professores, chamar culpas, sejam próprias sejam impingidas pelo mundo 
em que mergulhamos nesta virada de século.
[...]
 
  
O primeiro ponto a ser encarado pelos poderes públicos – na visão do 
autor – é que um tipo de ação é construir a importância da leitura na 
sociedade. Isso, diz Mempo, a Argentina já domina (o Brasil também, em 
parte). No entanto, é preciso ultrapassar a construção da importância da
 leitura para construir a leitura propriamente dita. Para isso, sugere, a
 leitura deve ser desvinculada do dever, dos números, das progressões. A
 leitura deve tornar-se prazer, desejo, momento. É coletiva quando 
partilhada e ouvida. É pessoal e intransferível quando silenciosa e 
eletiva. Mais que tudo, a leitura deve ser sinônimo de liberdade e não 
de imposição. A leitura se faz para o sujeito e não para o mercado. 
Aliás, este é o grande erro da educação que se tem proposto aos nossos 
filhos e alunos. 
[...] 
O livro foi escrito com o objetivo de propor, de forma prática, dentro e
 fora das instituições, a retomada do caminho da Argentina como 
sociedade leitora. As propostas descritas, além de implementadas pela 
ONG criada por Mempo Giardinelli, foram acolhidas pelo estado argentino,
 passando a compor tanto a Lei Nacional de Educação, quanto o Plano 
Nacional de Leitura (PNL) daquele país. Sua publicação no Brasil, em 
2010, pretendeu, da mesma forma, socializar a experiência dos hermanos e
 demonstrar o uso destas ideias também para o Brasil.