Quem assiste Violação de privacidade e faz a leitura com o olhar da Arquivística, pode observar o rico contexto e a evidência de questões inerentes ao arquivo, tais como: a dicotomia entre público e privado, entre sigiloso e ordinário, entre intervenção e imparcialidade, informação e prova documental, os princípios da proveniência, da ordem original e da indivisibilidade, a seleção e avaliação e os recortes preservados para a guarda permanente.
Algumas assertivas de autores
Lidar com memória e informação é algo complexo e subjetivo. É necessário criar lugares para que a memória exista em algum lugar. São os “lugares da memória”, de que Nora (1993, p. 13) fala, nos quais, sem dúvida, os arquivos são incluídos. A memória requer indícios, vestígios, pois não é suficiente a rememorar pela oralidade, mas, sobretudo, pelas informações geradas através dos dados registrados em documentos.
Os lugares de memória nascem e
vivem do sentimento de que não há memória espontânea, que é preciso criar
arquivos, que é preciso manter aniversários, organizar celebrações, pronunciar elogios
fúnebres, notarias atas, porque essas operações não são naturais.
É verdade, nós não nos lembramos de tudo o que aconteceu ou que nos foi ensinado ao longo de nossa vida. Descartamos a maioria das experiências vivenciadas e só retemos aquelas que possuem significados, isto é, são funcionais para nossa existência futura (VON SIMSON, 2000, p.15).
Para a interpretação correta do contexto que permeia sobre a situação, é necessário manter o conjunto, a integridade do que foi formado ao longo das atividades.
“[...] os fundos de arquivo devem ser preservados sem dispersão, mutilação,
alienação, destruição não autorizada ou adição indevida [...]” (BELLOTTO, 2002, p. 21).
Há diferença entre memória ou informação.
[...]
eles são memória, antes de ser informação. A informação tem qualquer coisa de
neutra, de anônima. Os arquivos são práticas de identidade, memória viva,
processo cultural indispensável ao funcionamento no presente e no futuro” (MATHIEU;
CARDIN, 1990, p.114 apud JARDIM, 1995, p. 5).
Algumas indagações de leitura e contexto
- Onde está o limite entre o público e o privado? É correto ter acesso a todas as informações de vida de uma pessoa sem a sua permissão, desde as mais íntimas e reais até às imaginárias, e depois omitir parte delas para não prejudicar a sua memória quando já não está mais entre os vivos?
- Quando selecionamos para a guarda permanente, de certa forma não estamos elegendo algo a ser lembrado em detrimento a outro que será esquecido?
- É correto usurpar a memória de outro para benefício próprio?
- O que pode ser descartado, memória ou informação?
- Se o acesso é permitido a privacidade pode ser violada?
Cenas do filme enfocando os pontos mencionados
O título original, The final cut remete de forma mais forte à questão da memória seletiva, já a tradução para o português valoriza a questão da privacidade, recorrendo às cenas dos filmes temos:
- Uma empresa (Eye) detém uma tecnologia que permite o implante de um chip (Zoe) nos bebês para gravar todos os acontecimentos, memórias e lembranças durante a vida.
- Um profissional especializado (cutter) em tratar informações e imagens gravadas no chip faz a seleção por intermédio de um programa (Guilhotine), para edição como um arquivo de memórias e divulgação em formato de filme, depois da morte do seu portador, em cerimônia de homenagem à vida da pessoa que se foi (rememória).
- O objeto de trabalho do cutter é o chip, que serve de suporte de informação, muitos arquivos se formam com esse novo tipo de documento e chips de pessoas de toda sorte esperam o corte final.
- O chip da vez é de um alto executivo da Empresa Eye, ele está pronto para ser editado...
- Os equipamentos de edição ajudam ao editor de memórias nessa tarefa.
- Ele precisa escolher as imagens e tem o poder de transformar um vilão em um herói, a partir da nova leitura feita na coletânea de cenas, depois dos cortes e montagem final.
- Numa mesa complexa, cheia de telas e painéis, o cutter pratica o juízo final,
- Brincando com a memória de quem já se foi, deletando, passando, modificando, alterando o contexto, para que façam uma boa leitura dos fatos que se sucederam na vida do morto.
- Mas, fazendo a leitura nas passagens do cliente em edição, algo pessoal é preciso ser desvendado, nesse caso nenhum corte, cada detalhe deve ser percebido, é preciso conhecer o contexto original, fazer a leitura correta, questões pessoais estão em jogo.
- Mesmo, que se tenha que correr riscos para se obter a prova documental e encerrar um processo.
BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Arquivística: objetos, princípios e rumos. São Paulo: Associação de Arquivistas de São Paulo, 2002.
JARDIM, J. M. A Invenção da memória nos arquivos públicos. Ciência da Informação, Brasília, v. 25, n. 2, 1995. p. 1-13. Disponível em: <http://revista.ibict.br/ciinf/index.php/ciinf/article/viewFile/439/397>. Acesso em: 15.09.2013.
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Revista do Programa de Estudos Pós-graduados em História e do Departamento de História da PUC - SP, São Paulo, nº 10, p. 7-28, dez. 1993. Projeto História. Disponível em: <http://www.pucsp.br/projetohistoria/downloads/revista/PHistoria10.pdf>. Acesso em 15 set. 2013.
VON, SINSON, Olga Rodrigues de Moraes. Memória, cultura e poder na sociedade do esquecimento. Augusto Guzzo Revista Acadêmica das Faculdades Integradas "Campos Salles", São Paulo, v.6, 2003. Disponível em: <
http://www.fics.edu.br/index.php/augusto_guzzo/article/view/57>. Acesso em: 15 set. 2013.
FICHA TÉCNICA
Lançamento: 8 de abril de 2005 (1h 44min)
Gênero: Ficção Científica
Direção: Omar Naim
Roteiro: Omar Naim
Elenco: Genevieve Buechner, Jim Caviezel, Mira Sorvino, Robin Williams, Thom Bishops
Produção: Nick Weschler
Fotografia: Tak Fujimoto
Trilha Sonora: Brian Tyler
Gênero: Suspense, Ficção científica
Duração: 105 min.
Lançamento: 8 de abril de 2005 (1h 44min)
Algumas pessoas possuem em seu cérebro um implante de memória, comprado por seus pais antes mesmo de nascerem, que registra todos os fatos ocorridos em sua vida. Após sua morte este implante é retirado e, com o material nele existente, é editado um filme sobre a vida da pessoa, que é exibido em uma cerimônia póstuma chamada Rememória. Alan Hakman (Robin Williams) é o melhor montador de filmes para a Rememória em atividade, usando seu talento para preparar filmes que concedam a absolvição ao morto em relação aos erros por ele cometidos em vida. Por se dedicar ao trabalho, Alan se torna uma pessoa distante e incapaz de viver sua própria vida. Ele se considera uma espécie de "devorador de pecados", acreditando que seu trabalho seja um meio de perdoar os mortos e que, de alguma forma, este perdão também chegue para ele próprio. Porém, quando busca por material em um implante para a Rememória de um diretor da empresa que fabrica os chips, Alan encontra a imagem de uma pessoa que marcou sua infância. É quando Alan decide iniciar uma busca pela verdade sobre esta pessoa, em uma tentativa pessoal de conseguir sua redenção por um erro do passado.